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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Jogos Olímpicos de Estocolmo

Vinte e cinco quilómetros: o Francisco cai de novo.
Levanta-se de novo. A voz do locutor é grave e torturada dentro do silêncio absoluto da cozinha. O Hermes e a Íris começam a notar que se passa algo que não conseguem compreender totalmente. Nas ruas de Lisboa, devem estar a acontecer muitas coisas que ninguem consegue imaginar. Nas ruas onde o Francisco passou a correr tantas vezes, devem estar a acontecer muitas coisas. O locutor pergunta-se quanto tempo mais conseguirá o Francisco aguentar. Arrasta os pés no chão. Portugal. Trinta quilómetros. O Francisco cai exausto. O seu corpo deitado é rodeado por pessoas. As minhas filhas, Simão e a minha mulher levantam-se das cadeiras e correm para a telefonia, como se pudessem entrar dentro dela.

Cemitério de Pianos
José Luís Peixoto
A Ler por aí... em Benfica, Lisboa

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Feira da Luz

A terrina de loiça que estava a enfeitar o centro da mesa da cozinha foi comprada pela Maria e pela mãe na feira da Luz. Era de tarde,era domingo e era setembro. Havia anos que a minha mulher andava a comprar peças para oenxoval da Maria. Em todos os aniversários, em todos os natais, a Maria recebia prendas para o enxoval: jogos de lençóis, jogos de toalhas. Às vezes, no fim das manhãs de sábado, a minha mulher chegava do mercado e, entre sacos finos com folhas de alface, com cenouras, entre sacos que tinhamescamas de peixe coladas, tirava panelas, chocolateiras e púcaros de alumínio.

...

Foi essa terrina que o marido da Maria levantou com as duas mãos. Segurou-a pelo prato, segurou-a à altura do peito e, com toda a força,atirou-a para o chão num instante de absoluto silêncio. Os pedaços da terrina ficaram espalhados e inúteis por todo o chão da cozinha; da mesma maneira, ficaram espalhados os botões, os alfinetes, as pontas de lápis, os pedaços de brinquedos e todos os objectos sem uso que estavam guardados no seu interior.

Cemitério dePianos
José Luís Peixoto
A Ler por aí... em Benfica, Lisboa

Repetição

Os últimos dias de maio foram sol insípido: nas ruas de Benfica, perdido de mim próprio à hora de almoço; no cemitério de pianos, com o olhar preso na pequena janela suja que tentava iluminar o impossível e que desistia resignada. Cada momento parecia a repetição cansativa de momentos iguais e sucessivos dos dias anteriores.

Cemitério dePianos
José Luís Peixoto
A Ler por aí... em Benfica, Lisboa