Mostrar mensagens com a etiqueta avenida. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta avenida. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Jogos Olímpicos de Estocolmo

Vinte e cinco quilómetros: o Francisco cai de novo.
Levanta-se de novo. A voz do locutor é grave e torturada dentro do silêncio absoluto da cozinha. O Hermes e a Íris começam a notar que se passa algo que não conseguem compreender totalmente. Nas ruas de Lisboa, devem estar a acontecer muitas coisas que ninguem consegue imaginar. Nas ruas onde o Francisco passou a correr tantas vezes, devem estar a acontecer muitas coisas. O locutor pergunta-se quanto tempo mais conseguirá o Francisco aguentar. Arrasta os pés no chão. Portugal. Trinta quilómetros. O Francisco cai exausto. O seu corpo deitado é rodeado por pessoas. As minhas filhas, Simão e a minha mulher levantam-se das cadeiras e correm para a telefonia, como se pudessem entrar dentro dela.

Cemitério de Pianos
José Luís Peixoto
A Ler por aí... em Benfica, Lisboa

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Crepúsculo

Porém, mal o crepúsculo desce sobre os prédios e as ruas, e o guarda, protegido por uma serapilheira, trepa pelo escadote para acender o lampião, e nas montras baixinhas das lojas aparecem aquelas estampas que à luz do dia se não atrevem a dar nas vistas, a Avenida Névski volta a bulir e a animar-se. Chega então a hora misteriosa em que os lampiões impregnam tudo de uma luz divina e sedutora. São muitos os jovens cavalheiros, na sua maioria celibatários, de sobrecasacas e capotes quentes. Em tudo se sente um objectivo, ou antes, algo que parece um objectivo, qualquer coisa completamente inconsciente; acelera-se o andar de todos, a passada torna-se em geral muito irregular.

Ler por aí... em Agosto 2009

Quatro horas

A partir das quatro, a Avenida Névski fica vazia, é pouco provável que encontremos um único funcionário. Uma ou outra costureira da loja atravessará correndo a Avenida Névski com uma caixa nas mãos; algumainsignificante presa do oficial de diligências, reduzida à miséria, com o seu capote de frisa; algum esquisitão de visita à capital, para quem todas as horas são iguais; alguma inglesa alta e esgrouviada, com um indispensável e um livro nas mãos; algum capataz, homem russo de sobrecasaca em demicoton cinturada pelos sovacos, a barba estreitinha, a vida eternamente alinhavada, o corpo todo sempre a mexer - costas, braços, pernas, cabeça - quando vai respeitosamente pela rua; de vez em quando, um humilde artesão; e não encontraremos mais ninguém na Avenida Névski.

Ler por aí... em Agosto 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Três horas

Soam as três horas, a exposição termina, a multidão refaz-se... É uma nova mudança, às três. Chega de repente à Avenida Névski a Primavera: cobre-se toda de funcionários de uniformes verdes. Os famintos conselheiros titulares, áulicos e outros estugam o passo o mais que podem. Os jovens registadores de colégio, os secretários provinciais e de colégio correm a aproveitar a ocasião de passearem pela Avenida Névski com o ar de quem não passou nada seis horas no serviço.

Ler por aí... em Agosto 2009

Hora bendita

Nesta hora bendita, entre as duas e as três da tarde, a que poderemos chamar a capital em movimento na Avenida Névski, acontece a principal exposição de todas as melhores criações humanas. Este exibe uma sobrecasaca catita com pele de castor da melhor qualidade; aquele, um maravilhosonariz grego; um terceiro ostenta excelentes suíças; uma quarta, uma par de olhos bonitos e um chapéu espantoso; um quinto, um anel de talismã no elegante dedo mindinho; uma sexta, o pezinho no seu sapatinho encantador; um sétimo, uma gravata surpreendente; um oitavo, um bigode de pasmar. Soam as três horas, a exposição termina, a multidão refaz-se...

Ler por aí... em Agosto 2009

domingo, 26 de julho de 2009

Meio-dia

Ao meio-dia fazem as suas incursões na Avenida Névski os perceptores de todas as nacionalidades com os seus educandos de colarinhos de cambraia. Os Johns ingleses e os Kock franceses andam de braço dado com os pupilos entregues aos seus cuidados paternais e, com uma solenidade decente, explicam-lhes que as tabuletas sobre as entradas das lojas foram concebidas para, por meio delas, se saber o que se encontra dentro das respectivas lojas. As perceptoras - misses pálidas, eslavas rosadas - caminham majestosamente atrás das suas garotas airosas e serigaitas, dando ordens - que leantem um pouco mais o ombro, que endireitem as costas; em suma, a esta hora, a Avenida Névski é uma avenida pedagógica.

Ler por aí... em Agosto

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ao amanhecer

Ao longo de um único dia, quanta veloz fantasmagoria se desenrola aqui! Quantas mudanças acontecem em vinte e quatro horas! Começemos pelo amanhecer, quando toda a Petersburgo cheira a pão quente acabado de cozer, quando se enche de velhas com os seus vestidos e capas esfarrapadas, em incursões pelas igrejas e contra o transeunte compassivo. A esta hora, a Avenida Névski está vazia: os corpulentos proprietários das lojas e seus caixeiros ainda dormem metidos nas suas camisas de noite holandesas ou ensaboam a bochecha nobre e tomam café; os pedintes são aos bandos às portas das pastelarias, onde o Ganimedes sonolento, que ainda ontem voava como uma mosca servindo chocolate, sai à rua com a vassoura na mão e sem gravata e lher atira bolos e restos de petiscos.

Ler por aí... em Agosto 2009

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Avenida Álvares Cabral

Cheio de sol, aquele prédio acabado de construir. Entrava em todas as divisões da casa, chegava ao fundo dos quartos.
Nunca ali batia a sombra das casas fronteiriças. Estariam a un vinte metros e eram mais baixas. Do terceiro andar não se via o edifício da Garagem Monumental. Nem o Jardim-Cinema. Dir-se-ia que não existiam.
Existiam. Eram modernos.
"Uma bela avenida" - elogio de quase todos.
- Repare-se como está diferente - respondia Duarte.

Janeiro de 1938. Duarte recém-chegado à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
A Avenida Pedro Álvares Cabral reduzia-se aos bocados de passeio diante do Liceu e do Jardim-Escola.
E ele estava ao corrente. É de crer que lhe tenham chegado protestos, enquanto fora Ministro da Educação.
Ele próprio protestara. Exigira o fornecimento regular de água às duas escolas. Acabara com o acesso dos estudantes por um passadiço que ia dar à travessa de Santa Quitéria.
- Uma porcaria!
Imundice.
Cascas, talos, vísceras e penas deitados pelas portas das cozinhas. Ninguém recolhia.
Moscas. Ratazanas.
Do gabinete do Campo de Santana, Duarte reclamava:
- Não haverá na Câmara uma carroça que se mande lá?
Ninguém que obrigasse alguns mariolas sem emprego a varrer o meio da rua? A levar o lixo para os aterros?
O que fazia um pelourinho diante dos Paços do Concelho, se a Cidade não conseguia ajustar o povo?
- Deixe-se de prepotências, senhor Ministro - responderam-lhe. - E fale do que sabe.

A Cova do Lagarto
Filomena Marona Beja
A Ler por aí... em Lisboa (Alameda) e outros lugares