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sexta-feira, 5 de março de 2010

Filósofo

No bonde, no começo da noite de estrelas e viração do mar, no caminho do Rio Vermelho de Baixo onde se ergue na colina a Casa Branca do Engenho Velho, mestre Archanjo contara do novo livro, os olhinhos brilhando, trêfegos e maliciosos. Quanta coisa recolhera, anotara nas cadernetas, para aquela obra, "um embornal de embregueces", a sabedoria do povo:
 - Só o que juntei em casa de mulher-dama, meu bom, você nem se imagina. Fique sabendo, camarado, não há melhor lugar para um filósofo morar do que casa de rapariga.
 - Você é mesmo um filósofo, mestre Archanjo, o maior que já vi, não tem igual para saber levar a vida com filosofia.
Iam ao candomblé para o amalá de Xangô, obrigação das quartas-feiras. Tia Maci dava de-comer ao santo, no peji, ao som do adjá e do canto das feitas. Depois, em torno à grande mesa na sala, serviam o caruru, o abará, o acarajé, por vezes um guisado de cágado. Mestre Archanjo era bom de garfo, de garfo e copo. A conversa prolongava-se  noite adentro, animada e cordial no calor da maizade; ouvir Archanjo era privilégio dos pobres.

Tenda dos Milagres
Jorge Amado
A Ler por aí... em São Salvador da Baía (Brasil)

quinta-feira, 6 de março de 2008

Jantar na villa Salina

O jantar na villa Salina era servido com o mesmo fausto esbonetado que então caracterizava o estilo do Reino das Duas Sicílias. Só o número de comensais (catorze contando com os donos da casa, os filhos, as governantas e os perceptores) bastava para conferir um aspecto imponente à mesa. Coberta com uma toalha finíssima mas remendada, resplandecia à luz de um potente candeeiro a petróleo precariamente pendurado sob a ninfa, um lustre de Murano. Pelas janelas ainda entrava luz, mas as figuras brancas que simulavam baixos-relevos sobre o fundo escuro das bandeiras das portasjá se perdiam na sombra. A baixela era de prata maciça e o medalhão liso dos esplêndidos copos de cristal facetado da Boémia ostentava as iiciais F.D. (Fernandus dedit) em memória de uma munificência real, mas os pratos, todos marcados com iniciais ilustres, eram os sobreviventes dos estragos feitos pelos moços da cozinha e provinham de serviços diferentes. Os de formato maior, Capodimonte lindíssimos com a larga cercadura verde-amêndoa salpicada de pequenas âncoras douradas, estavam reservados ao Príncipe que gostava de se rodear de objectos à sua escala, exceptuando a mulher. Quando entrou na sala de jantar já estavam todos reunidos, a Princesa era a única que estava sentada, os outros mantinham-se de pé atrás das cadeiras. Diante do seu talher, ladeados por uma pilha de pratos, sobressaíam os flancos de prata da enorme terrina com a tampa encimada pelo LEopardo dançante. Era o próprio Príncipe quem deitava a sopa nos pratos, grata tarefa símbolo das atribuições alimentares do pater familias.

O Leopardo
G. Tomasi di Lampedusa
A Ler por aí... na Sicília, Itália