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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O fim de um cachalote

«...Os caçadores de baleias, para cumprirem as habituais ordens das autoridades marítimas, apressam-se a levar para o mar a carcaça do cachalote, cuja decomposição infectaria rapidamente toda a zona circundante. Não é uma empresa fácil, porque embora pareça que basta arrastar a carcaça para duzentos ou trezentos metros da costa e confiá-la a uma corrente favorável que a leve, o vento que muda caprichosamente pode voltar logo a trazê-la; e pode mesmo acontecer que os caçadores de baleias tentem durante dias libertar-se da massa fedorenta sem o conseguirem. Se, para cúmulo, o mar se enfurece, pode acontecer que o indesejado despojo fique encravado pelas ondas debaixo de falésias inacessíveis onde, devido ao seu contundente fedor, constituirá durante meses um suplício para os habitantes da região. Finalmente, num belo dia de sol, o intestino grosso inchado de gás rebenta com grande estrondo e cobre a zona circundante de resíduos que constituem uma gulosa comida para os multicolores caranguejos-coveiros. Por vezes estes sinistros animais marcam encontro, para o seu repugnante five o'clock, com elegantes gambas que levam as suas delicadas antenas a passear sobre o enorme bolo, se a maré alta tem a gentiliza de lhes servir de meio de transporte. Seja como for, o pobre cachalote percorre progressivamente o caminho da derrocada, desde a primeira ferida que lhe é vibrada pelo homem até à intervenção das ínfimas criaturas que o preparam para a conclusão do ciclo fatal em que se resolve o destino dos seres vivos. A morte dos cachalotes é majestosa como um enorme desmoronamento e, nas necrópoles que os caçadores de baleias lhes preparam nas pequenas enseadas, os seus despojos acumulam-se como as ruínas de uma catedral.»

Mulher de Porto Pim
Antonio Tabucchi
A Ler por aí... nos Açores

sábado, 9 de agosto de 2008

Rochas

Moveu o braço para a esquerda e apontou duas excrecências turquesa, como dois chapéus pousados na água. Que rochas feias, disse, parecem almofadas. Não as vejo, disse a mulher. Além, um pouco mais paras a esquerda, mesmo em frente ao meu dedo, estás a vê-las?, disse Marcel. Passou o braço direito pelos ombros da mulher, com a mão estendida para a frente. Mesmo na direcção do meu dedo, repetiu.
O revisor sentara-se num banco junto do parapeito, tinha terminado a sua volta e estava a observar os movimentros deles. Certamente intuiu o sentido da conversa, porque se aproximou sorrindo e falou para a mulher com ar divertido. Ela ouviu com atenção e depois exclamou: nãão! e levou a mão à boca com ar travesso e infantil como que a reprimir uma risada. O que é que está a dizer?, perguntou o homem com o ar ligeiramente parvo de quem não está a seguir a conversa. A mulher dirigiu ao revisor um olhar cúmplice. Riam-lhe os olhos e era muito bonita. Diz que não são rochas, disse, mantendo propositadamente em suspenso o que acabara de saber. O homem olhou-a com ar interrogativo e talvez um pouco aborrecido. São pequenas baleias azuis que passeiam nos Açores, exclamou ela, foi exactamenteo que ele disse. E finalmente libertou a gargalhada reprimida, uma pequena gargalhada breve e sonora.

Mulher de Porto Pim
Antonio Tabucchi
A Ler por aí... nos Açores