quarta-feira, 23 de julho de 2008

Calau

Imagem obtida no site do Zoo de Lisboa

Molope

Imagem obtida bo site Hlasek.

Mahalapye

Mahalapye era uma vila de cabanas dispersas feitas de tijolos castanhos de lama seca ao sol e alguns edifícios com telhado de zinco. Estes pertenciam ao Governo ou aos Caminhos-de-Ferro e, para nós, representavam um luxo distante e inatingível. Havia uma escola gerida por um velho pastor anglicano e uma mulher branca com o rosto meio arruinado pelo sol. Ambos falavam setswana, o que era invulgar, mas ensinavam-nos em inglês, insistindo, sob pena de chicotadas, que deixássemos a nossa própria língua lá fora no recreio.
Do outro lado da estrada começava a planície que se estendia até ao Calahari. Era uma região incaracterística, juncada de acácias baixas em cujos ramos se empoleiravam os calaus e os irrequietos molopes com as suas longas penas da cauda a arrastar. Era um mundo que parecia não ter fim, e isso, penso eu, era o que tornava a África tão diferente nesses tempos. Não tinha fim. Um homem podia caminhar, ou cavalgar, eternamente, e nunca chegar a lado nenhum.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives
Alexander McCall Smith
A Ler por aí... no Botuana

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Pessoas vulgares

Nós não esquecemos, pensou Mma Ramotswe. As nossas cabeças podem ser pequenas, mas estão cheias de recordações, como o céu pode por vezes estar cheio de abelhas fervilhantes, milhares e milhares de recordações, de cheiros, de lugares, de pequenas coisas que nos aconteceram e que voltam, inesperadamente, para nos recordar de quem somos. E quem sou eu? Sou Precious Ramotswe, cidadã do Botsuana, filha d eObed Ramotswe que morreu por ter sido mineiro e já não conseguir respirar. Não existe registo da sua vida; quem é que anota as vidas das pessoas vulgares?

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives
Alexander McCall Smith
A Ler por aí... no Botsuana

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Marketing

Mandou pintar uma tabuleta com cores vivas que colocou depois ao fundo de Lobatse Road, nos limites da cidade, a apontar para o pequeno prédio que tinha comprado: AGÊNCIA Nº1 DE MULHERES DETECTIVES. PARA TODOS OS ASSUNTOS E INVESTIGAÇÕES CONFIDENCIAIS. SATISFAÇÃO GARANTIDA PARA TODAS AS PARTES. SOB GERÊNCIA PESSOAL.
A instalação da sua agência despertou considerável interesse público. Houve uma entrevista na Rádio Botsuana, em que ela achou ter sido pressionada algo grosseiramente para revelar as suas qualificações, e um artigo bastante mais satisfatório no Notícias do Botswana, que chamava a atenção para o facto de ela ser a única detective particular do país. Este artigo foi recortado, copiado e colocado bem à vista num pequeno quadro ao lado da porta de entrada da agência.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives
Alexander McCall Smith
A Ler por aí... no Botsuana

domingo, 6 de julho de 2008

Uma boa mulher

Ela era uma boa detective e uma boa mulher. Uma boa mulher num país bom, poderia dizer-se. Amava o seu país, o Botsuana, que é um lugar de paz, e amava a África, apesar de todas as suas provações. "Não me envergonho que me chamem patriota africana", dizia Mma Ramotswe. "Amo todos os povos que Deus fez, mas sei como amar especialmente os povos que vivem neste sítio. São o meu povo, os meus irmãos e as minhas irmãs. É meu dever ajudá-los a solucionar os mistérios existentes nas suas vidas. É o que fui chamada a fazer."

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives
Alexander McCall Smith
A Ler por aí... no Botsuana

Uma agência de detectives no Botsuana

Mma Ramotswe tinha uma agência de detectives em África, no sopé dos montes Kgale. O total dos seus haveres consistia numa pequena carrinha branca, duas secretárias, duas cadeiras, um telefone e uma velha máquina de escrever. Havia também uma chaleira, onde Mma Ramotswe – a única detective particular do Botsuana – fazia chá de rooibos. E três canecas – uma para ela, uma para a sua secretária, e outra para o cliente. De que mais precisa realmente uma agência de detectives? As agências de detectives assentam na intuição e inteligência humanas, e Mma Ramotswe possuía ambas em abundância. É claro que nenhum inventário as incluiria.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives
Alexander McCall Smith
A Ler por aí... no Botswana


domingo, 16 de março de 2008

Notícias da terra

Depois vieram as notícias da terra, que giravam todas em volta do grande acontecimento do ano: a contínua e rápida ascenção da fortuna de Don Calogero Sedàra: seis meses antes terminara o prazo do empréstimo que concedera ao barão Tumino e ele ficara-lhe com a terra e graças às mil onças que emprestara possuía agora mais uma propriedade que lhe rendia quinhentas por ano; em Abril conseguira comprar por dez réis de mel coado dois alqueires de terreno e nessa pequena propriedade havia uma pedreira muito procurada que ele se propunha explorar; vendera o trigo em condições mais vantajosas do que nunca, nos momentos de pânico e de carestia que se seguiram ao desembarque. A voz de Don'Nofrio encheu-se de rancor: "Fiz as contas pelos dedos: dentro de pouco tempo os rendimentos de Don Calogero serão iguais aos de Vossa Excelência aqui em Donnafugata; e a propriedade que tem cá na terra é a mais pequena."

Boas vindas

O palácio Salina era contíguo à Igreja Matriz. A pequena fachada com sete varandas sobre a praza não deixava imaginar a dimensão do edifício, cujas traseiras se prolongavam numa extensão de duzentos metros: eram construções de estilos diferentes, mas harmoniosamente dispostas em torno de três amplos pátios que davam para um grande jardim todo murado. Na entrada principal que dava para a praça, os viajantes foram sujeitos a novas manifestações de boas-vindas. Don Onofrio Rotolo, o intendente da casa, não participara, nunca participava, nas recepções oficiais à entrada da povoação. Educado na rígida escola da princesa Carolina, considerava o vulgus como inexistente e o Príncipe como residente no estrangeiro enquanto não transpusesse o limiar do seu palácio; por isso estava ali, a dois passos à frente do portão, baixíssimo, velhíssimo, barbudíssimo, ao lado da mulher, que era bastante mais nova do que ele e opulenta, rodeado pelos criados e pelos oito guardas com o Leopardo de outo no barrete e, nas mão, oito espingardas de uma inoquidade muito duvidosa. "Estou feliz por dar a Vossas Excelências as boas vindas a esta vossa casa. Entrego o palácio no mesmo estado em que foi deixado."

O Leopardo
G. Tomasi di Lampedusa
A Ler por aí... na Sicília, Itália

Pessoas devotadas

Donnafugata já estava perto com o seu palácio, com os seus repuxos, com a memória dos seus santos antepassados, com aquela impressão de infância eterna, e as pessoas também eram simpáticas, devotadas e simples. Nesse instante, porém, algo o preocupou: sabia-se lá se depois dos recentes acontecimentos as pessoas eram tão devotadas como dantes. "Veremos."

O Leopardo
G. Tomasi do Lampedusa
A Ler por aí... na Sicília, Itália

terça-feira, 11 de março de 2008

Poço

Os cocheiros obrigavam os cavalos a dar umas voltas a passo para os refrescar antes de lhes darem de beber, os criados estendiam as toalhas sobre a palha que ficara da debulha, no pequeno rectângulo de sombra projectado pelo edifício. Comeram junto do solícito poço. Em volta, o campo fúnebre ondulada, amarelo de restolhos, negro de barbas de espigas calcinadas; o lamento das cigarras enchia o céu; era como o estertor de uma Sicília queimada que em finais de Agosto esperava em vão pela chuva.

O Leopardo
G. Tomasi di Lampedusa
A Ler por aí... na Sicília, Itália

Sol e poeira

Já eram onze e durante aquelas cinco horas só tinham visto cabeços indolentes de colinas chamejando de amarelo ao sol. O trote nos percursos planos depressa alternara com as longas e lentas arrancadas nas subidas, e com o passo pridente nas descidas; passo e trote, aliás, diluídos igualmente no fluxo contínuo dos guizos, que já só se ouvia como manifestação sonora do cenário requeimado. Tinham atravessado aldeias embrutecidas, pintadas de azul-pálido; tinham transposto pontes de uma estranha magnificênciasobre riachos totalmente secos, tinham costeado escarpas desesperadas que nem os sorgos e as giestas conseguiam consolar. Nem uma árvore, nem uma gota de água: sol e poeira. No interior das carruagens, fechadas precisamente devido a esse sol e a essa poeira, a temperatura devia ter atingido os cinquenta graus.

O Leopardo
G. Tomasi di Lampedusa
A Ler por aí... na Sicília, Itália